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A luta do povo Kapinawá contra a instalação de um parque eólico

A luta do povo Kapinawá contra a instalação de um parque eólico

O povo indígena Kapinawá, localizado nos municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, na divisa das regiões do Agreste e Sertão de Pernambuco, foi surpreendido, no começo de 2022, com a notícia da implementação de um parque eólico em parte de seu território ancestral já demarcado. Proposto pela empresa Energia Buíque LTDA. que tem como sócio administrador Eduardo Henrique de Oliveira e Silva, o “Complexo Eólico Buíque” projeta instalar 70 turbinas de produção de energia eólica em uma área de mais de 3.000 hectares, sendo parte dessa terra pertencente ao povo indígena Kapinawá. O Parque Nacional Vale do Catimbau e as comunidades quilombolas Sítio Mundo Novo e Façola também serão impactadas.

Em maio de 2022, a cidade de Buíque foi o palco de uma grande mobilização popular organizada pelos Kapinawá contra a instalação desse megaempreendimento. Para entender um pouco mais sobre essa luta, conversamos com a liderança indígena Socorro Jucá. Moradora da aldeia Malhador no município de Buíque, Socorro estudou magistério e Licenciatura em Educação Intercultural Indígena e deu aula durante mais de trinta anos. Ela também integra o Movimento de Mulheres Indígenas de Pernambuco e é formada como Técnica em Agroecologia pelo SERTA (Serviço de Tecnologia Alternativa).

-Como vocês ficaram sabendo que iria ser instalado um parque eólico na região?

Eu tenho um filho que é guia turístico e ele também faz o curso de arqueologia. Nesses estudos, ele acabou descobrindo que tinha esse projeto, que já está bem avançado na questão da logística e dos papéis. Foi aí que ele entrou em contato com uma Kapinawá que está estudando direito. Ela se informou e pesquisou, falou com o Cacique e falou com a gente. Chamamos o pessoal do CIMI [Conselho Indigenista Missionário] e da APOINME [Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo] para participar, para estar dentro da luta junto conosco. Fomos estudar a fundo essa questão da eólica para saber realmente as agressões que ela traz. Porque não é uma energia limpa, eles falam que é uma energia limpa, porém limpa não tem nada. Se fosse limpa não destruía tanto, nem trazia tantas doenças, nem tantos problemas para as pessoas. E aí a gente convocou a comunidade. Primeiro a gente teve uma reunião interna para socializar tudo isso. Depois veio o advogado do CIMI e o pessoal do Ministério Público também, que tiveram uma reunião com toda a comunidade, principalmente com as lideranças.

Foi assim que decidimos fazer esse movimento, esse levante na cidade de Buíque. Chamar a atenção do prefeito e dos vereadores, porque quando a gente começou a espalhar, fizemos a reunião interna e começamos a espalhar a notícia, aí o nosso povo tem um vereador. O nosso vereador tomou a iniciativa de ir conversar com o prefeito e o prefeito negou a todo momento, disse que não sabia dessa existência. E os demais vereadores dizendo que não sabiam o que estava acontecendo. Então aí a gente vai cobrar dele lá pessoalmente. A gente fez esse movimento com carro de som, divulgando o movimento da gente, dizendo porque é que estávamos aí, qual era nossa luta e qual nossa reivindicação. E que a gente queria falar diretamente com o prefeito e que o prefeito viesse para a praça para conversar com todo mundo. Não era num cantinho não, era na praça, para que todo mundo pudesse participar também e fazer seus questionamentos.

E aí a gente fez uma passeata na cidade, depois a gente ficou lá no anfiteatro que tem na praça, chegou o vereador e chegou o prefeito. Ele teve a audácia de dizer que não sabia. Na minha vez de falar, eu perguntei para ele: “como é que chega na casa do outro, faz o que quer, e o dono da casa não sabe?”. Não tinha nem lógica de dizer que não sabia. Como é que se cria um projeto dessa dimensão dentro do município e o prefeito não sabe? Ele disse que não sabia, que estava alheio a tudo isso, que ia a buscar informações. E esse é o nosso maior medo: o que é que eles estão fazendo por debaixo dos panos? Porque se estavam fazendo tudo isso e a gente não sabia, e agora? E a gente fica bem preocupado com isso.

– Qual tem sido o papel do poder público? Tem chegado para fortalecer a luta de vocês?

A FUNAI [Fundação Nacional do Índio] que atende a gente é o pessoal de Alagoas, nossa região está em Alagoas. Temos um diálogo muito grande com o pessoal de lá, e é muito boa a relação. Eles nos apoiam. Porém, o entrave mesmo que a gente encontra é em Brasília, isso que trava tudo. Com esse desgoverno, que graças a Deus passa já, esperamos que o novo governo nos trate melhor, nos dê melhores condições, porque esse que está aí é uma tristeza. Para começo de conversa, ele destruiu a FUNAI, tirou toda a força que a FUNAI tinha. Botou dentro da FUNAI pessoas que têm o mesmo pensamento dele. E isso tem dificultado muito a questão da demarcação das terras indígenas. Mas, enquanto regional, a gente é bem cuidado. O pessoal de Alagoas está junto com a gente. Tem essa conversa, são amigos e parceiros na luta.

– Como está a situação da luta contra a instalação do parque eólico?

Depois do movimento que a gente fez e das denúncias, está parado. A gente tem conversado, porque a preocupação é grande. Quando se silencia assim, a gente tem medo do que pode vir depois. Mas, por enquanto, está bem parado. Estamos assessorados por dois advogados dentro dessa causa que trazem informações para a gente e está no Ministério Público também. A gente nem escuta mais falar. E esse silêncio é o que está nos preocupando.

– Quais os principais desafios que vocês têm para fortalecer essa luta?

Temos dois desafios muito grandes. Um, é esse contra a usina eólica. E um outro desafio maior ainda é ter nosso território demarcado, que não é demarcado ainda. O território Kapinawá tem uma parte que foi demarcada em 1986 e uma grande parte do território ficou fora da demarcação. Não sei por quê, acho é que uma questão de não pensar em quem estava fora, ou querer uma forma mais fácil de demarcar, porque pegaram o leito de um riacho e fizeram a demarcação seguindo o leito do riacho, que para eles era mais fácil. Então, acabou que a gente terminou sendo prejudicado. São nove aldeias que ficaram fora da demarcação, e ficamos pensando como pode ser que, na mesma aldeia, ficaram parte de famílias dentro do território demarcado e partes da família fora da demarcação. Então, é esse território que a gente está lutando pela demarcação. Nosso maior desafio está sendo este, demarcar nossa terra.

– Você poderia deixar uma mensagem para nossos/as leitores/as que podem estar passando por uma situação similar?

A mensagem que eu deixo é não desistir da luta, é não baixar a cabeça. Estar atenta e atento às coisas que virão. Não dar confiança demais a qualquer pessoa, porque muitas vezes por trás de uma cara legal tem algo estranho escondido. A gente tem que estar sempre com um pé atrás, como os mais velhos dizem, e pensamento firme e positivo. E união, união na comunidade. A comunidade unida vence. Se não unir, não tem vitória, a vitória vem da união, porque tem que ser um por todos e todos por um. Não dá para remar para um lado e outro remar para outro.

Outros links que podem ser de interesse

https://theintercept.com/2022/08/01/energia-eolica-conflitos-territorios-agricultura/

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/07/03/com-mais-de-700-parques-eolicos-ne-sofre-com-danos-ambientais-silenciosos.htm