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Vizinhas das torres

Vizinhas das torres

Na série jornalística “Vizinhas das torres”, conversamos com três famílias que moram nos arredores da Linha de Transmissão (LT) Campina Grande III – Pau Ferro, que foi instalada pela empresa Rialma S.A. nos assentamentos do Complexo Prado, na Zona Rural do município de Tracunhaém (PE). O Complexo Prado é formado por três assentamentos: Nova Canaã, Ismael Felipe e Chico Mendes I. A disputa por essas terras, que pertenciam ao Grupo João Santos (JS), começou em 1997 e durou oito anos.

Em novembro de 2005, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) autorizou o assentamento das famílias acampadas, que já produziam e viviam no local. Entre 1997 e 1998, os moradores sofreram com várias reintegrações de posse judiciais. Em 2003, houve duas remoções violentas, uma das quais resultou em outros acampamentos durante dois anos às margens da Rodovia PE-41.

A luta fundiária de Luiza e Nzinga Cavalcante se dá a partir da ancestralidade. Em 1997, elas e 300 famílias se uniram para desapropriar o Engenho Prado. Em 2006, o Sítio Ágatha foi fundado em uma das parcelas do Assentamento Chico Mendes. O nome do Sítio homenageia Ágatha Vitória, filha de Nzinga. O Ágatha foi fundado por uma família de três mulheres negras de gerações distintas – avó, filha e neta. Atualmente, elas contam com uma equipe de mulheres e homens negros e afrorreferenciados, participantes da associação Sítio Ágatha que está voltada especialmente às trabalhadoras negras do campo e da cidade.

Quando a LT 500 Kv Campina Grande III – Pau Ferro foi instalada, no ano de 2019, uma das parcelas, ou área de terra para o plantio dos/as assentadas/os, diretamente atingida pelas torres foi o Sítio Ágatha [textos de como foi esse processo estão na publicação Transmitindo Resistência]. Do Ágatha partimos em busca das “Vizinhas das torres”, ou seja, das famílias de agricultores/as que mesmo não atingidas diretamente pela instalação da LT, foram impactadas pela proximidade assustadora das torres junto às suas casas. Andamos por cerca de cem metros e, na primeira casa do assentamento Chico Mendes I, nos encontramos com Carmelita Maria da Silva.

Apresentação da agricultora assentada Carmelita Maria da Silva

Agricultora de 64 anos, mãe de seis jovens (três meninos e três meninas) e com quatro netos (dois casais), Carmelita se senta na sua cadeira de balanço para conversar sobre a torre instalada atrás de sua casa. Ela não foi informada, nem consultada, porque a área onde está a torre pertence a um vizinho. Desde a casa de Lita, assim que ela gosta de ser chamada, dá para enxergar claramente a presença dessa enorme estrutura.

Carmelita conta como soube da instalação da torre
Carmelita comenta sobre o fornecimento de energia
A casa de Carmelita e a torre instalada na parcela de um outro assentado

A terra onde mora é fruto de muita luta. Lita, com os seus filhos e filhas, moravam no acampamento de lona preta com mais trezentas famílias que, após oito anos, conseguiram a desapropriação dessas terras. Em 2005, com organização e luta, conseguiram que o Engenho Tocos fosse desapropriado para a reforma agrária. Aproveitamos a visita e também conversamos com uma das filhas de Carmelita, Maria José, conhecida como Junia, que mora com a mãe. De vestido comprido e no meio das tarefas de casa, Junia para uns minutos e conversa conosco. Nas suas palavras, fica mais nítida a falta de informação e o total descuido da Rialma S.A com as famílias agricultoras que moram perto da LT.

Maria José, filha de Carmelita, sobre a instalação da torre

Famílias de agricultores/as, de um dia para outro, são incomodadas pela presença de desconhecidos que começam a instalar uma estrutura de grande porte ao lado de suas casas. Esse megaempreendimento, denominado LT 500 Kv Campina Grande III – Pau Ferro, rasgou as terras do Sítio Ágatha e dos assentamentos Chico Mendes I e Nova Canaã. Ele tem como objetivo a distribuição da energia eólica produzida na Região Nordeste para outras regiões do Brasil, percorre 130 km e atravessa 15 municípios dos estados de Pernambuco (Orobó, São Vicente Ferrer, Vicência, Machados, Buenos Aires, Nazaré da Mata, Tracunhaém, Araçoiaba e Igarassu) e Paraíba (Campina Grande, Queimadas, Fagundes, Itatuba, Aroeiras e Natuba). Quantas comunidades rurais, quilombolas e indígenas foram atingidas por essa e outras LT ‘s?